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ASHISTÓRIAS

Conheça o relato de quatro meninas e mulheres que foram vítimas de escalpelamento. Elas abriram suas vidas para a reportagem e contaram tudo sobre o dia do acidente, preconceito, autoestima e como lutaram para seguir em frente após um grande trauma.

20 ANOS | SÃO SEBASTIÃO DA BOA VISTA  | PARÁ

14 ANOS | MUANÁ | PARÁ

43 ANOS | MELGAÇO | PARÁ

45 ANOS | BREVES | PARÁ

Larissa Paixão

Larissa

Final do ano: Período de festas, onde as famílias costumam reunir-se para celebrar a vida. Seja Natal ou Réveillon, as datas ficam marcadas na memória pela alegria e momentos de confraternização junto àqueles que mais amamos. Para Larissa Lopes Paixão, de 20 anos, a data traz outras recordações. A lembrança de um momento que transformou a sua vida para sempre. Quando ainda era criança, com apenas 10 anos de idade, tornou-se vítima de um dos acidentes mais graves da região Norte do país, o escalpelamento.

 

A história da Larissa começa no dia 25 de dezembro de 2007, quando morava no município de São Sebastião da Boa Vista, na região do Arquipélago do Marajó. Após a celebração do Natal, recebeu o convite de uma prima para fazer uma viagem com destino à uma cidade do interior. O objetivo era buscar Simonia, uma outra prima, no Rio Chaves. O trajeto seria percorrido a bordo do barco do seu tio, na companhia da prima e da tia. Animada por nunca ter feito uma viagem do tipo, decidiu pedir permissão para sua mãe. Dona Marlene hesitou em deixar Larissa ir, mas após muita insistência da filha, acabou permitindo. A viagem pelos rios da Amazônia começaria no dia seguinte pela manhã.

 

Larissa amanheceu e já se preparava para partir. Os cabelos compridos que chegavam até a altura da cintura não foram presos como recomendado. A jovem fez um rabo de cavalo e colocou um chapéu para dar o toque final à sua roupa, mas o adereço não seria suficiente para impedir que o pior acontecesse. Entrou no barco com destino ao Rio Chaves e após 30 minutos do percurso, Larissa viu sua vida mudar em questão de segundos.

 

Entenda o momento do acidente:

O trajeto foi interrompido e o motor parou de funcionar devido à brutalidade do acidente. Larissa naquele momento, desmaiada e com muito sangue, tornava-se mais uma vítima de escalpelamento nos rios do Marajó. Começou então uma corrida contra o tempo para realização do primeiro atendimento. Pela curta duração da viagem, optou-se por voltar para a casa da tia. A situação na casa da Larissa era complexa, pois o avô se recuperava de um derrame. Retornar para lá com a jovem acidentada poderia oferecer risco ao frágil quadro de saúde do patriarca.

 

A volta do barco para São Sebastião gerou estranheza. Especialmente para a mãe da Larissa. Entre muita correria e choro, Dona Marlene resolveu tentar entender o que estava acontecendo. Largou tudo o que estava fazendo e dirigiu-se para a casa da irmã, onde Larissa estava. No caminho, deparou-se com o cabelo da filha sobre a ponte. Com as pernas bambas, acreditou que a filha havia falecido. O desespero durou até que a mãe encontrasse a filha. Larissa já estava acordada, mas não conseguia enxergar direito. Entenda o motivo abaixo:

Foram necessários 30 minutos de barco até o centro de São Sebastião da Boa Vista para que Larissa recebesse o primeiro atendimento médico. Após a limpeza e a realização de curativos na área lesionada, os médicos recomendaram que ela fosse transferida de imediato para Belém. Porém, mais alguns obstáculos foram colocados naquele momento. O aeroporto da cidade estava fechado e Larissa precisou fazer um deslocamento maior de barco até Curralinho. O município também fica localizado na região do Marajó. De lá, embarcou em um helicóptero com destino à capital do Pará.

 

Larissa chegou em Belém por volta das 13h daquele dia. Passadas quatro horas do acidente, foi encaminhada para o Hospital Metropolitano. Lá, receberia o primeiro atendimento na urgência e emergência, o que faz parte do protocolo de atendimento às vítimas de escalpelamento. A dor do curativo era grande, mas a preocupação de Larissa naquele momento era de acalmar a mãe. Com a mão sobre o rosto de Dona Marlene, pedia com frequência para que a mãe não chorasse. A jovem ainda não sabia dimensionar a gravidade do acidente.

 

Passou os três primeiros dias no Hospital Metropolitano. Em seguida, foi transferida para a Santa Casa de Belém, referência nacional no tratamento de acidentes com escalpelamento. Ficou internada na enfermaria por três meses e recebeu todo o cuidado de médicos, enfermeiros e cirurgiões. Foi encaminhada então para o Espaço Acolher, que naquele período ainda funcionava dentro da própria Santa Casa. Ficou por mais dois meses e recebeu atendimento de uma equipe multidisciplinar. Psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais fazem parte do time, considerado fundamental na recuperação das vítimas de escalpelamento

Larissa fala no vídeo sobre como foi sua recuperação no Espaço Acolher:

Devido à longa recuperação, passou muito tempo longe de casa, dos amigos e da escola. Naquele momento, ainda não existia a classe hospitalar no Espaço Acolher, portanto, sua mãe resolveu entrar em contato com a escola e relatar o ocorrido. A jovem passou a realizar as atividades escolares enquanto se recuperava. Novas amizades também foram criadas nos dois meses que passou no Espaço. Das várias meninas que conheceu durante a recuperação, Larissa cita uma que é especial:

 

- A Luana. Eu sofri o acidente em 2007 e ela em 2002.  Quando eu estava internada, ela foi me visitar e me mostrou a perna dela.

 

Larissa continua:

 

- Quando a gente sofre o acidente, a gente faz uma cirurgia chamada enxerto. Eles tiram a nossa pele da coxa para poder colocar na cabeça. Ela me mostrou e eu não sabia que ia ter que fazer isso. Eu chorei tanto, tanto, porque não queria fazer essa cirurgia, mas tive que fazer. Ela sempre me deu força. Ela falava que eu ia ficar bem, linda do mesmo jeito. Sempre me deu força. Até hoje. - revela.

Veja alguns cliques da paraense Larissa Paixão:

Quem vê Larissa atualmente, não imagina por tudo que ela passou. Desde que sofreu o acidente, foram 13 cirurgias no total, sendo sete delas somente na região dos olhos. Devido a brutalidade do escalpelamento, perdeu o movimento do olho direito. Mesmo com as cicatrizes que fazem parte da sua história, a jovem é referência no quesito autoestima para outras meninas. Com uma rotina de beleza como de qualquer outra mulher, gosta de produzir-se antes de sair de casa. Maquiagem e protetor solar são itens fundamentais, e não podem faltar de jeito nenhum. As sobrancelhas são o xodó de Larissa. Após perdê-las em decorrência do acidente, passou por um procedimento de implante com seus próprios fios. O cuidado com ela é diário.

Atualmente com 20 anos e já formada na escola, pretende dar futuramente os próximos passos na sua vida profissional. Prestou concurso público para algumas instituições e está decidida a fazer um curso profissionalizante de informática. Mas os planos não param por aí. Inspirada pela psicóloga que a atendeu no Espaço Acolher, Larissa sonha em cursar Psicologia na faculdade. Ao longo dos dois meses que ficou por lá, conseguiu entender como funcionava e qual a importância do trabalho de um psicólogo na recuperação das vítimas de escalpelamento. Assim que se formar, quer ajudar meninas que passarem pelo mesmo tipo de trauma que sofreu em 2007.

Realizada a cirurgia de enxerto, Larissa passou a utilizar apenas calças. A vergonha da cicatriz na perna impedia que utilizasse short na calorenta Belém do Pará. Foram muitos episódios, incluindo as aulas de Educação Física no colégio. Incentivada pelas amigas, e depois de muitas tentativas, finalmente conseguiu vestir uma bermuda durante um evento no colégio. Foi encorajada a não ligar para a opinião dos outros. Desde então, passou a não ter vergonha. Vai à praia e faz o que mais gosta: Dançar. Larissa gosta de todos os ritmos e não perde um bom bloco de carnaval. Um incentivo para a maioria das meninas vítimas de escalpelamento, que na maioria dos casos, não saem de casa por medo. Medo de preconceito, de serem olhadas de uma forma diferente. A jovem pretende seguir sem medo, com alegria e determinação para alcançar todos os seus sonhos

Maria Fernanda

Maria Fernanda

Maria Fernanda tem 14 anos e foi a última vítima registrada de escalpelamento no Pará. 

Apenas um caso foi registrado no ano de 2018, até a data da publicação da reportagem. O acidente aconteceu no início de fevereiro na Comunidade do Jararaca, no Rio Castanhal, em Muaná. A cidade é a quarta mais populosa do Marajó e também é conhecida como “Flor do Marajó”. A vítima foi uma menina de 14 anos. Maria Fernanda* estava indo junto com familiares para a igreja.

Maria estava viajando com a família para a Comunidade do Jararaca. Um tio seu havia se tornado dirigente de uma congregação evangélica na região. Além de conhecer a igreja e participar do culto, a família também iria celebrar os 15 anos de uma prima no domingo, dia 4. Levando em consideração à duração do trajeto, que dura em média uma tarde, decidiram sair com antecedência. No sábado de manhã, toda a família já estava a bordo de uma “rabeta” emprestada por um amigo do tio. Os pais, primos, tios e irmãos de Maria se uniram na embarcação com destino ao Jararaca.

Chegaram ao rio Castanhal no próprio sábado e dirigiram-se para a casa da família na região para descansar. Já no entardecer domingo, era chegada a hora de ir para o culto. Maria afirma que no modelo de embarcação que estavam, não havia espaço para acomodar toda a família. Portanto, colocaram mais algumas tábuas para garantir que todos pudessem realizar o trajeto com o conforto. Assim que entrou no barco, sentou-se sobre o eixo do motor e cometeu um grande erro ao deixar os cabelos soltos. Foi a equação necessária para que o acidente acontecesse por volta das 19h.

Segundo Maria, foi como se ela estivesse dormindo. É comum que as vítimas não sintam dor durante o acidente. O movimento é muito rápido e tudo acontece em segundos. Foram momentos de pânico para sua família. Ao ouvir um forte barulho, a mãe correu para a parte de trás do barco, onde Maria estava, para saber o que havia acontecido. Foi quando a viu jogada no casco do barco. Correu e agarrou-se ao corpo ferido da jovem. O vestido que usava no dia continuava transado no motor e precisou ser rasgado pelo tio para que evitasse mais lesões.

Enquanto o pai gritava desesperado à procura de ajuda, a mãe mantinha a fé de que tudo daria certo. No momento do acidente, a pele da região acima dos olhos descolou-se da testa. Maria, inconsciente, tentava arrancá-la com as duas mãos e aos gritos de dor. Foi impedida pela sua mãe e tio, que seguravam seus braços. Em seguida colocaram uma camisa na cabeça na tentativa de estancar o sangramento. Começava então uma corrida para que Maria fosse atendida no hospital mais próximo.

A família conseguiu uma voadeira para poder voltar à cidade de Muaná, onde Maria poderia receber o primeiro atendimento médico. As voadeiras são barcos mais velozes, na região do Marajó. Mais de uma hora depois e de baixo de chuva, chegaram em uma região de Muaná onde seria necessário ir por terra. Solicitaram uma ambulância, que não chegou. O desespero com Maria perdendo sangue era grande e só aumentava conforme a jovem reclamava de fortes dores na cabeça. Conseguiram um carro e uma hora depois finalmente chegaram no Hospital de Muaná.

Depois do primeiro atendimento, foram encaminhadas para a Santa Casa em Belém. Portanto, seria necessário mais um trajeto pelos rios. Saíram ás 5h da segunda-feira com destino à Belém e só chegaram por volta das 11h. Uma viagem cansativa para uma pessoa que acabara de sofrer um dos mais graves acidentes de motor. Além da mãe e do tio, uma enfermeira do Hospital de Muaná foi deslocada para acompanhar a família no trajeto até a Santa Casa.

O caso da adolescente foi considerado grave pelos médicos. Maria foi vítima de um escalpelamento total. Perdeu toda a parte do couro cabeludo, teve ferimentos nos braços e nas costas, além de exposição da caixa craniana, de acordo com informações do Sindicato de Médicos do Pará. Até o momento, Maria já passou por quatro cirurgias desde quando sofreu o acidente, em fevereiro. A primeira foi realizada na sua chegada à Santa Casa, em Belém. Foram feitos também dois procedimentos de enxerto e um de trepanação, intervenção cirúrgica que faz uma perfuração no crânio.

A última vítima de escalpelamento no Pará afirma nunca ter ouvido falar sobre o acidente. Sua mãe, tinha conhecimento sobre o assunto, mas justifica:

- Eu já tinha ouvido falar. Conheço uma senhora lá em Muaná que tinha sofrido, mas há muito tempo atrás. A gente sempre pensa que nunca vai acontecer com a gente, só pensa que acontece com os outros. Mas acontece sim. – reflete a mãe sobre a importância do trabalho contínuo de prevenção.

Maria está em processo de recuperação no Espaço Acolher. Recebe tratamentos de uma equipe multidisciplinar e frequenta aulas na Classe Hospitalar. Segundo ela, as lições de matemática da professora Eunice são as mais difíceis. Além da Maria, a classe é composta por outras meninas hospedadas no Espaço. Quando não está estudando, gosta de aproveitar o seu tempo nas redes sociais, especialmente no aplicativo de mensagens. É uma forma de Maria se conectar e estar mais próxima de amigos e familiares.

A jovem de 14 anos está se recuperando do acidente na sede do Espaço Acolher.

A jovem sente falta da família, especialmente dos primos. Mas não deve demorar muito para que possa voltar para casa em Muaná e encontrar o pai e os quatro irmãos.  A mãe é sua acompanhante em tempo integral desde a chegada em Belém. Assim que receber alta, deverá retornar para a capital somente para consultas periódicas, além da realização da perícia médica no posto do INSS. Caso o laudo seja validado, Maria receberá benefícios como o TFD, o Tratamento Fora de Domicílio que dá suporte financeiro para que as vítimas de escalpelamento possam dar continuidade ao tratamento na capital.

*Foi utilizado nome fictício para proteger a identidade da vítima

Maria José

Maria José

Maria José é moradora de Melgaço e foi vítima de escalpelamento depois dos 40 anos.

A maioria dos casos de escalpelamento envolve meninas, sejam crianças ou adolescentes, de acordo com dados da Sespa. Só o município de Melgaço, localizado no arquipélago do Marajó, registrou quatro incidentes de 2010 e 2016. Entre eles, um caso em especial chama atenção: O de Maria José Pereira. Ela foi vítima do escalpelamento aos 41 anos. De acordo com os dados, o índice de casos com pessoas dessa faixa etária é relativamente baixo. O acidente ocorreu na primeira semana de 2016. Maria José ouvia falar sobre o assunto, mas alega que nunca havia acontecido na sua região.

No dia 2 de janeiro de 2016, Maria José, dirigia-se para um culto em sua congregação evangélica, em Melgaço. A moradora do Cacoajó, região ribeirinha no interior de Melgaço, foi vítima do acidente que jamais acreditou que aconteceria com ela. Tudo aconteceu por volta das 18h30.

Diante da gravidade do caso, a “rabeta” da qual estava a bordo seguiu o caminho. Não demorou até que a marajoara recebesse o primeiro atendimento no Hospital de Melgaço. Em seguida foi encaminhada para Hospital Marajó II, localizado na região de Breves. Marajó II é um dos três centros de atendimento às vítimas de escalpelamento no Arquipélago do Marajó.

Foi realizada uma cirurgia para tentar salvar o couro cabeludo de Maria José, mas infelizmente o resultado não foi como o esperado. Passou então por uma nova cirurgia para a retirada do couro, considerado morto pelos médicos do local. Estes foram apenas alguns dos procedimentos cirúrgicos pelos quais a marajoara enfrentou. Até o momento são seis, e ela não sabe se vai precisar passar novamente pela mesa de cirurgia:

- Já sofri muito. Quando acontece um problema desse, a gente nem imagina que vai ter vida mesmo, problema complicado. Pelo momento que aconteceu. Eu vi o desespero de como ele conseguiu agarrar. Meu rosto arriou todo. –  recorda do trauma.

Maria ficou três meses e meio em Belém. Assim como as vítimas de escalpelamento, passou pela Santa Casa e pelo Espaço Acolher. Uma das maiores dificuldades durante o processo de recuperação foi ficar longe da família e dos filhos. Maria afirma que a família sofreu muito pelo que aconteceu com ela, mas que hoje eles estão felizes. A marajoara, hoje, impossibilita de trabalhar, acreditava que não seria possível superar o acidente e que não haveria ninguém como ela:

- Eu ficava pensando que seria só eu desse jeito. Nunca mais ia ficar perfeita como eu era. Eu achava difícil, mas deus tem misericórdia da minha vida. Tive uma nova chance de viver. Eu tenho razão na minha vida de viver assim. – agradece Maria.

Hoje, aos 43 anos e recuperada das sequelas do acidente, vai à Belém apenas para consultas médicas. Engana-se quem pensa que é um caminho fácil do Cacoajó até a capital paraense. Só de Belém até Breves, o centro mais próximo, são 12h de barco. Mais três horas de barco até a região de Melgaço e mais uma hora de Melgaço até o Cacoajó. Maria José em média 16h só para conseguir atendimento médico. Um trajeto muito distante e cansativo, segundo a marajoara.

Arlene Prata

Arlene Prata

Vestida de amor, perfumada de gratidão: Assim se define Arlene Prata Castor no perfil de sua rede social. A moradora da cidade de Breves, no Marajó, tem 45 anos e foi vítima do escalpelamento quando ainda era criança, aos 12. Sem motivos para chorar, Arlene é uma pessoa renovada e agradece à Deus pela nova chance que lhe foi concedida. Espalha alegria por onde passa, não dispensa uma boa festa e é um exemplo de autoestima para outras vítimas de escalpelamento. Mas nem sempre foi assim. A timidez e o medo fizeram parte da vida da Arlene por muito tempo. Toda essa insegurança começou a partir de um trauma vivido no dia 6 de agosto de 1984, data que Arlene tornou-se mais uma vítima de escalpelamento nos rios do Pará.

O acidente aconteceu quando retornava de um evento evangélico. A embarcação estava cheia de familiares e amigos e Arlene aproveitou o caminho de volta para dormir. Assim que acordou, tropeçou e caiu perto do eixo do motor. Seus longos cabelos, que chegavam à altura da cintura, foram imediatamente puxados pela rotação do motor, fazendo com que ela perdesse 40% do couro cabeludo. O caso é considerado pelos médicos como um escalpelamento parcial. Arlene não se recorda muito do momento do acidente, mas relata que tudo aconteceu muito rápido e desmaiou logo após o golpe do motor.

Uma das únicas lembranças é de estar no colo da mãe após ser socorrida por familiares. Arlene recorda da mãe aos prantos, perguntando à Deus se a filha morreria após o trauma. Ainda sem entender a gravidade do que tinha ocorrido, a menina de 12 ano afirmou para a mãe que não iria morrer. Começava então uma corrida para que ela fosse atendida o mais rápido possível.

Recebeu os primeiros socorros no Hospital de Breves e foi encaminhada para uma clínica na capital, onde passou seis meses internada. O período de recuperação foi marcado pelas dores e por ter sido um dos momentos mais difíceis na vida de Arlene. Ela era sedada com frequência e chegou a ficar em coma durante 15 dias. Após essa primeira etapa lenta, foi encaminhada para realizar tratamento no Espaço Acolher, que funcionava dentro da Santa Casa do Pará. Assim como outras vítimas, Arlene nunca tinha ouvido falar sobre o escalpelamento, até chegar ao Espaço Acolher. Veja no vídeo abaixo:

Após 34 anos, Arlene ainda frequenta a Santa Casa para receber o acompanhamento médico necessário para vítimas de escalpelamento. Por morar em Breves, a 12 horas de barco da capital, precisa ficar no Espaço Acolher quando vai à Belém. Em 2011, a marajoara começou tratamento para recuperação do couro cabeludo. Foram oito cirurgias e resta apenas uma pequena área para que toda a região possa ser coberta. As dores fizeram parte do tratamento, especialmente nos primeiros procedimentos.

 

Assista abaixo o depoimento de Arlene sobre as cirurgias que passou:

Seguir em frente nem sempre foi uma escolha muito fácil para Arlene. Quem a vê sorridente por onde passa, não imagina por todas as barreiras que a dona de casa enfrentou após sofrer o acidente. Ela afirma que o pior era lidar com a parte psicológica. Arlene chorava muito e sentia-se uma mulher para baixo e deprimida. O bullying e o preconceito foram alguns dos motivos que a fizeram largar a escola, quando ainda tinha 13 anos.

 

Entenda:

Apesar das dificuldades, tem o sonho de um dia poder voltar a estudar. Se tornar professora é um sonho de Arlene, que está casada há 27 anos com o seu primeiro namorado. Os abalos na autoestima fizeram com que ela acreditasse que o amor seria impossível. Pensava que ninguém se interessaria por ela depois do acidente. Foi quando conheceu o primeiro amor, que acabou se tornando seu marido posteriormente. A relação gerou três frutos: Andreia, Alan e Adriely. Arlene também já é avó do pequeno Marcos Vinicius.

Apesar das dificuldades que passou, hoje tem o orgulho de dizer que tem milhares de amigos. Arlene se considera famosa em todas as redes sociais que faz parte. Seja no Facebook, Instagram ou até mesmo no Whatsapp. Quem segue a marajoara percebe o quanto ela gosta de compartilhar sua rotina e seus momentos de descontração com a sua rede de amigos. São poses e cliques cheios de autoestima e empoderamento. A dona de casa também não abre mão de postar fotos de momentos com a família e ao lado do cantor Gustavo Leite, de quem se diz ser a fã número um.

Arlene não gosta de falar e recordar dos problemas de autoestima que foram consequência do acidente, mas acredita que o trauma transforma a vida para sempre. A dona de casa tenta explicar no vídeo abaixo o impacto e as consequências do escalpelamento na vida das vítimas.

Confira abaixo uma galeria de fotos da Arlene com aqueles que mais ama:

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