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Conheça o trabalho dos profissionais que trabalham em prol das vítimas de escalpelamento. Um trabalho conjunto que vai desde o primeiro atendimento até a recuperação física e psicológica no período pós acidente.

Espaço Acolher

Espaço

Sede do Espaço Acolher, instituição da Santa Casa de Misericórdia do Pará.

Uma casa de esquina, com o letreiro desbotado no bairro do Umarizal não chama muita atenção de quem passa pela Avenida Alcino Cacela no distrito administrativo de Belém. A casa de número 555 abriga o Espaço Acolher, local que garante atendimento adequado para vítimas de escalpelamento após o período de internação na Santa Casa. O Espaço proporciona um acolhimento provisório para meninas e mulheres acidentadas que precisam permanecer em Belém para dar continuidade ao tratamento. O trabalho da equipe multidisciplinar é fundamental no processo de recuperação e transformação na vida daquelas que acabam de passar por um grande trauma.

 

Coordenado desde o início pela assistente social Luzia Matos, o Espaço Acolher nasceu dentro Santa Casa do Pará. A ideia de construir um espaço próprio surgiu pela necessidade de ter um local que atendesse as vítimas de escalpelamento especificamente e oferecesse um local para elas permanecerem após os primeiros cuidados na Santa Casa. Em 2006, a assistente social fez parte do grupo que desenhou o projeto do Novo Espaço Acolher. A partir de julho de 2009, a instituição passou a ter seu próprio endereço.

Luzia Matos é assistente social e coordenadora do Espaço Acolher.

Antes de ter um espaço próprio, as vítimas chegavam a passar meses dentro do hospital. Luzia afirma que em alguns casos, pacientes passaram mais de um ano internadas na Santa Casa. Por estarem em um ambiente hospitalar, infecções e complicações médicas eram constantes, o que impossibilitava os médicos de concederem alta para as pacientes. A maioria delas também vivia em regiões mais afastadas. Portanto era inviável que voltassem para casa e conseguissem retornar com frequência à Belém para fazer curativos e procedimentos cirúrgicos. Logo, era necessário mantê-las na Santa Casa até que se recuperassem, mesmo sendo necessário ocupar os escassos leitos da rede pública por tempo indeterminado.

Atualmente são oferecidos 30 leitos no Espaço Acolher. A instituição tem capacidade de atender a 11 vítimas de escalpelamento simultaneamente. Cada paciente tem o direito a um acompanhante em tempo integral. Portanto, 22 leitos podem ser ocupados quando os 11 pacientes de escalpelamento necessitarem do Espaço. Como o número de acidentes foi reduzido nos últimos anos, os leitos vagos costumam ser disponibilizados para atender à diferentes demandas da Santa Casa.

São acolhidos também pacientes que estão recebendo tratamento para Lúpus, gestantes de risco, renais crônicos, cardíacos e até pacientes com paralisia cerebral. Grande parte deles são de municípios do interior, assim como as vítimas de escalpelamento, e não possuem casa de apoio em Belém para conseguir dar continuidade no tratamento.

 

A coordenadora Luzia explica no vídeo abaixo como funciona esta dinâmica:

O tempo de permanência no espaço varia de acordo com o grau de evolução da paciente vítima de escalpelamento. Algumas passam de dois a três meses no local, enquanto outras podem ficar pelo período de um ano. Segundo a coordenadora do Espaço, há registros de mulheres que sofreram o acidente durante a gravidez. Receberam todo o apoio e passaram pelo período da gestação e pós-parto no Espaço Acolher. O local oferece atendimento por tempo indeterminado, até que as pacientes estejam recuperadas e prontas para voltar para casa.

 

O Espaço conta com um grupo interdisciplinar de profissionais para poder dar o atendimento adequado às vítimas. Luzia afirma que trata-se de uma equipe enxuta, mas de extrema importância. As vítimas recebem o atendimento de uma psicóloga, fonoaudióloga, assistente social e da equipe pedagógica, que integra a Classe Hospitalar. O trabalho destes profissionais é fundamental para o desenvolvimento das vítimas de escalpelamento e para que elas possam traçar um plano e seguir adiante com suas vidas.

 

Entenda a importância do Espaço Acolher para as vítimas de escalpelamento, nas palavras da coordenadora Luzia Matos:

A coordenadora diz que a maioria das acidentadas desconheciam o escalpelamento antes de sofrer o acidente. Ao chegarem no Espaço Acolher, conhecem pessoas que passaram pelo mesmo trauma e percebem que não são as únicas. 

 

Assista e entenda qual a importância da acidentada em conhecer outras vítimas de escalpelamento:

Luzia acredita que a queda no número de acidentes é resultado do trabalho sério realizado pela Comissão de Enfrentamento aos Acidentes com Escalpelamento. Para ela, cada integrante desempenha um papel fundamental no combate ao acidente. Com poucos recursos e muita vontade, o grupo vem conseguido reduzir consideravelmente o número de casos. A assistente social considera uma vitória chegar a apenas um acidente no ano, como registrado em 2017. Mas ela ainda tem um sonho, que parece não estar muito distante: Poder zerar o número de acidentes em seu relatório anual.

Classe Hospitalar

classe

A Classe Hospitalar funciona dentro do Espaço Acolher e garante escolarização em todos os níveis da Educação Básica e na modalidade da Educação para Jovens e Adultos (EJA) para pacientes e acompanhantes. O método de ensino é diferente das escolas tradicionais e tem como objetivo trabalhar culturas e linguagens de diferentes áreas do conhecimento. O processo de ensino está baseado em práticas que tenham relação com o cotidiano das alunas e façam diferença em suas vidas.

As aulas da professora Eunice Cajango traduzem bem a metodologia aplicada nas aulas da Classe Hospitalar. Com doutorado em educação matemática, ela tem especialidade em lecionar para alunos com necessidades educacionais especiais em caráter provisório. Com uma classe de perfil diversificado, consegue atender individualmente às demandas de cada estudante. Enquanto a reportagem registrava a aula de matemática da Classe, as educandas ampliavam o conhecimento sobre as unidades de medidas. Através de instrumentos como balança régua, fita métrica e paquímetro, as jovens conseguem aplicar o conhecimento na prática.

A intenção da professora é de que as alunas entendam e consigam enxergar sentido em estudar, ao invés de focarem apenas no compromisso de comparecer às aulas. Para Cajango, não há razão para uma menina saber que 1 km equivale a 1.000 metros, se não souber para o que a medida realmente serve na prática. Mesmo ciente de que a Matemática não seja a favorita das alunas, a professora acredita no ensino de forma coletiva e integrada como uma oportunidade de socialização das vítimas para com seus pares. O objetivo é fazer com que as educandas tenham uma experiência de ensino mais agradável e proveitosa.

A professora Eunice Cajango leciona matemática para as educandas da Classe.

Suas aulas trazem fundamentos que são aplicados no cotidiano das estudantes.

Com base na metodologia utilizada pela equipe pedagógica da Classe Hospitalar, Eunice aposta na adoção de estratégias de ensino para tornar a aula mais dinâmica:

 

- Há diferentes olhares e perspectivas para a abordagem da questão matemática. A perspectiva que eu procuro adotar é aquela que considera toda forma de conhecimento e manifestação de diferentes matrizes de conhecimentos válida. Toda forma de expressar um conhecimento, seja considerado matematicamente formalmente ou não, é aceito dentro da minha sala de aula. Seja uma atividade por manifestação por gráfico, esquema, cálculo mental, verbalização, por escrita e também a digital. Eu sempre tento utilizar os recursos como geoplano, computadores e tablets. – disse a professora de Matemática.

Na parede, registros de atividades realizadas pelas educandas da Classe Hospitalar.

Laboratória da Classe Hospitalar conta com computadores à disposição das alunas.

Para a docente, a Classe Hospitalar tem uma missão que vai muito além do aprendizado em sala de aula. Ela relata que muitas das vezes, as meninas estão à base de medicamentos para a dor e mesmo assim vão para a aula. “ A assiduidade não está relacionada com o fato delas gostarem da matemática, e, sim, pela interação que a Classe proporciona. É um ambiente diferente, com atividades e uma dinâmica mais próxima da vida que elas tinham antes do acidente” disse.  A professora acrescenta ainda que as crianças não vão para a escola para ter aula com professores, e sim, para encontrar amigos, confraternizar e estabelecer vínculos.

A psicóloga Priscila Soares atua na Classe Hospitalar através da Roda de Sentimentos. O projeto foi criado pela mestranda educação e acontece semanalmente no Espaço Acolher. A cada semana, um novo tema é trabalhado em relação aos aspectos emocionais dos presentes.

 

Saiba mais sobre a "Roda" no vídeo abaixo:

O trabalho da “Roda” estende-se a todas as faixas etárias. O objetivo é atender todas as pessoas que estão na casa de acolhimento, e não apenas as vítimas de escalpelamento. A psicóloga utiliza recursos lúdicos durante as atividades, como músicas, poemas e desenhos, o que chama bastante a atenção das crianças. Priscila diz que quando percebe, a sala já está cheia de crianças abrindo o coração e falando sobre tudo que estão sentindo.

A psicóloga Priscila Soares comanda a Roda dos Sentimentos. 

Os encontros semanais têm como objetivo conseguir atender a demanda psicológica das educandas. De acordo com a psicóloga, o acidente não mexe só com mutilações físicas e corporais, mas afeta diretamente a ordem emocional. Desestrutura emocionalmente não só a vítima, mas todos ao seu redor, principalmente a família.

Sinais Psicológicos

Priscila afirma que a mudança na aparência representa algo muito drástico na vida das vítimas. Nas regiões da Amazônia, é comum que as ribeirinhas tenham os cabelos longos e lisos. Seja por questão cultural ou religiosa. Assim que se veem sem os cabelos, muitas afirmam perder a identidade, a ponto de não conseguirem mais se enxergar. Surgem então questões como a aceitação das pessoas no seu município de origem. As jovens tentam entender como serão recebidas e de que forma seus conterrâneos as enxergarão deste momento em diante.

De acordo com a psicóloga, a peruca assume um papel fundamental no resgate da autoestima das meninas e mulheres. A partir do uso do acessório, as vítimas passam a se olhar novamente como mulheres. Priscila lembra que as meninas ficam ansiosas para que enfim possam vestir as perucas, mas que em muitos casos, este momento pode demorar até um ano para acontecer. A demora está relacionada com a cicatrização. As vítimas só podem utilizar as perucas quando o processo de cicatrização estiver concluído, a fim de evitar lesões causadas pelo atrito entre a pele e a peruca.

A psicóloga afirma que falta do cabelo não as descaracteriza como mulheres, tampouco diminui a feminilidade. Trabalha para tentar mostrá-las que são muito além do que a perda do cabelo e procura resgatar outras caraterísticas da individualidade delas. Tudo isso faz parte de um esforço de conscientização, reflexão, resgate de autoestima e ressignificação da autoimagem com as vítimas. Segundo Priscila, muitas das vítimas saem fortalecidas para encarar a vida, mas se tivessem o acompanhamento em seus municípios, o resultado seria muito melhor.

A coordenadora do Espaço Acolher salienta a importância educacional da Classe Hospitalar. Antes da implantação do projeto, o índice de evasão escolar era elevadíssimo. Eram raros os casos das vítimas que conseguissem voltar a escola. Para Luzia, as meninas não estavam prontas para voltar para o ambiente que viviam antes do acidente. Diversos fatores contribuíam para isso, como a periculosidade das embarcações que a levavam para a escola, o calor e o bullying. A assistente social afirma que haviam casos em que a família não deixava a menina sair de casa, para evitar a exposição e reduzir o número de ataques e do preconceito.

A psicóloga Priscila complementa a importância dos estudos na vida daquelas que foram vítimas de escalpelamento. Confira o depoimento abaixo:

A equipe pedagógica abastece semanalmente o portal da Classe Hospitalar (clique aqui para conhecer). Lá podem ser encontradas informações referentes ao trabalho da Classe e de atividades realizadas pelas educandas, além de eventos, notícias, galeria de fotos e material institucional para consulta.

Anexo Médico

Anexo Médco

Os procedimentos cirúrgicos são realizados na Santa Casa do Pará, referência no tratamento do escalpelamento. O hospital recebe as jovens que estão acolhidas no Espaço Acolher para fazer desde curativos até as cirurgias mais complexas. O cirurgião plástico, Victor Aita, faz parte da equipe de atendimento às pacientes de escalpelamento na Santa Casa. O médico dedica-se ao tratamento das vítimas e à busca por inovações no campo da medicina com o intuito de conseguir proporcionar uma vida mais confortável para estas mulheres.

O médico explica abaixo o que é escalpelamento e o que pode acontecer com quem sofre o acidente. Assista:

Os acidentes ocorrem em regiões mais afastadas. Geralmente em localidades que podem ficar a 24 horas de barco de um posto de saúde ou hospital referência. Muitos pacientes chegam ao hospital em estado crítico, pela perda sanguínea e por outras lesões, como o traumatismo crânio encefálico, causado pelo violento golpe na cabeça da vítima. Para o médico, o importante durante o primeiro atendimento é conseguir salvar a vida da paciente.

 

Os primeiros socorros são fundamentais para evitar o agravamento da paciente. Eles são realizados na maioria dos casos pelos próprios familiares, ainda na embarcação. Eles rasgam as roupas e amarram na cabeça da vítima, na tentativa de parar o sangramento até que cheguem ao primeiro atendimento.

 

A rotatividade da tração do motor determina a extensão e gravidade do escalpelamento, que pode ser classificado didaticamente como total ou parcial. Victor Aita explica que na literatura médica, não há diferenciação entre um e outro. As publicações não definem qual a porcentagem que determina e caracteriza cada tipo de lesão. Os médicos entendem que o escalpelamento parcial se enquadra no tipo de trauma onde há a possibilidade de reconstituir o couro cabeludo. Já o total não permite este tipo de procedimento. O nível de profundidade também é classificado pelos médicos. Há incidentes com exposição óssea ou arrancamento da tábua óssea, por exemplo. Os casos mais graves são os que apresentam o arrancamento.

 

Alguns procedimentos cirúrgicos são padrões no atendimento à pacientes vítimas de acidente com motor. Um deles é a auto enxertia, que é quando um pedaço da pele é retirado de regiões como a da coxa, para fazer uma inserção no couro cabeludo. Caso a paciente apresente exposição óssea, é necessário fazer a perfuração do crânio, que possibilita o crescimento de tecido de granulação na área, para só depois fazer a enxertia. Aita afirma que este é o tratamento realizado de imediato nas vítimas.

 

Quando a paciente já estiver recuperada e estabilizada, chega a hora de pensar nos próximos procedimentos reparadores. Os médicos apresentam as soluções, de acordo com cada caso, dependendo do grau de perda de tecido e da gravidade do caso. Caso a paciente concorde, ela poderá passar por procedimentos como a colocação de expansor de tecido e reconstituição do pavilhão auricular.

O cirurgião plástico Victor Aita está sempre em busca de melhorias para as pacientes vítimas de escalpelamento.

Procedimento e Técnicas

A utilização do expansor é uma das técnicas mais utilizadas na recuperação das vítimas. Trata-se de um aparelho que funciona para expandir a pele. Uma válvula é inserida em uma área de tecido sadio da paciente. Periodicamente é injetado soro fisiológico para que a válvula cresça. Conforme ganha volume, a válvula se expande, criando tecido saudável. Depois de um período, que varia de 30 a 60 dias, o expansor é retirado e o tecido que foi expandido é utilizado para cobrir a área lesionada pelo escalpelamento. A técnica tem a capacidade de reduzir a área exposta e de recuperar quase toda a parte lesionada, quando o escalpelamento é parcial, de acordo com Victor Aita.

Já o implante auricular é um procedimento simples e que promete uma reintegração melhor das vítimas à sociedade. O método, que é considerado pioneiro na América Latina, já é realizado no Brasil há dois anos, mas ainda está engatinhando, de acordo com o cirurgião plástico. O processo do implante é lento, portanto ainda não é possível avaliar os resultados e o impacto das próteses na vida das pacientes. O médico afirma que será necessário conversar com os pacientes para verificar a aceitabilidade das próteses, que deverão ser trocadas a cada dois anos. É possível observar os resultados a partir de casos fora do Brasil, em regiões que realizam o procedimento há mais tempo.

- Temos o conhecimento de outros países que utilizaram esse tipo de próteses em pacientes mutilados na África, que tiveram bons resultados. Pacientes que aceitam muito bem e outros que ainda não. –  afirma o médico.

Todo o processo de implante ainda é considerado muito lento. Em um primeiro momento é realizada uma cirurgia para inserir as superfícies que vão suportar as próteses, que só são confeccionadas depois. Durante este intervalo, há o registro de vítimas que desistem do processo. Algumas delas fazem a retirada da superfície onde a prótese é encaixada. Luiza dos Santos, secretária do Espaço Acolher, afirma que muitas pacientes reclamaram de dores após a inserção do pino, como a superfície é conhecida. As vítimas também não conseguem observar uma transformação imediata, como acontece com as outras cirurgias plásticas. Este fator contribui para a desistência antes do processo ser finalizado.

Sequelas

O médico atenta para as possíveis lesões na pele. A pele enxertada fica sobre uma área em que o osso ficou exposto, portanto o paciente não possui mais a camada de proteção do couro cabeludo. A pele é muito fina e as lesões repetidas no local podem transformar-se em casos de câncer posteriormente. A peruca pode ser responsável pelo aparecimento de ferimentos devido ao atrito com a pele. O cirurgião recomenda que as meninas e mulheres utilizem uma touca de silicone para evitar que isso aconteça.

Ferimentos como bolhas na pele podem surgir em decorrência da exposição ao sol. Victor relembra que há somente a pele sobre o osso e que não há mais a camada do couro para proteger contra a radiação. Esta falta de proteção também é responsável pelas fortes dores de cabeça que acompanham as vítimas pelo resto da vida. Para evitá-las, é importante evitar o sol e ambientes aquecidos, o que acaba sendo muito difícil, levando em consideração o calor típico e as elevadas temperaturas da região amazônica.

A falta de sensibilidade na cabeça oferece um risco silencioso para as vítimas. Muitas delas não percebem que estão com lesões na área. É mais comum do que se imagina ver casos de mulheres que tenham batido com a cabeça em algum lugar e sequer notem. Para evitar episódios do gênero, Aita pede para que suas pacientes o visitem a cada seis meses. O médico salienta a importância do acompanhamento destas pacientes em consultas de rotina.

Antes da criação do Paives e do escalpelamento ter se tornado um serviço, só era realizado o procedimento de enxerto e a paciente já era enviada para casa. Aita afirma poder proporcionar atualmente algumas melhorias para os pacientes, como o uso de expansores, próteses auriculares, e até implante de cabelo no supercílio. Para ele são refinamentos, que podem dar uma qualidade de vida melhor para as vítimas de escalpelamento. Mas acredita que ainda não sejam suficientes:

 - É o ideal? Não acho que seja o ideal. O ideal seria eu dar cabelo para essa paciente. Mas eu acho que a gente vai conseguir esse ideal no futuro através da engenharia genética. No Brasil sempre vai demorar muito mais, mas fora do Brasil há estudos bem avançados nesse campo. Acredito que a gente consiga em dois, três anos. – aposta o cirurgião.

Mesmo com todos os procedimentos reparadores e avanços que proporcionam um conforto maior para as vítimas, o impacto de ordem emocional nas vítimas é muito forte e extrapola as sequelas de caráter físico e estético. O médico revela que há casos de pacientes que tiveram toda a parte lesionada recoberta, mas que seguiram se enxergando como uma mulher escalpelada.

Orvam

Orvam

Entenda o que é a Orvam no vídeo abaixo:

A história da ONG das Ribeirinhas Vítimas de Acidentes de Motor começa no dia 20 de janeiro de 2011.  A ONG foi construída através de um quadro no programa do Gugu Liberato. O apresentador se sensibilizou ao ler a carta de uma vítima de escalpelamento pedindo uma peruca e relatando toda a problemática do acidente nos rios do Pará. Naquele período, as vítimas usavam principalmente chapéus de crochê e lenços na cabeça para se protegerem do sol. As perucas ainda eram sintéticas, e além de serem danificadas rapidamente, irritavam facilmente a pele das vítimas devido ao calor e atrito com o material. Portanto, não havia condições para usá-las diariamente, diante das altas temperaturas registradas em Belém.

O apresentador decidiu fazer mais do que doar uma peruca para aquela menina. Gugu buscou o auxílio de uma assistente social, chamada Cristina Santos. O objetivo era de criar uma sede para a ONG, que reuniria todas as vítimas de acidente com motor. Só havia um problema: Não havia espaço para a construção. A produção do programa procurou a prefeitura de Belém, que cedeu um terreno no bairro da Castanheira, para que a Orvam pudesse ter seu próprio endereço. Foram 15 dias de obras até que a entrega fosse feita para as novas integrantes, em um programa repleto de emoção. A atração dominical também contribuiu por levar a causa do escalpelamento ao conhecimento de milhares de brasileiros.

Com a ONG criada, era necessário atentar para outras questões além da peruca, como o combate ao preconceito. Muitas das integrantes largaram a escola, o trabalho, até mesmo a própria família por conta da discriminação. Algumas foram abandonadas inclusive pelos parceiros e familiares mais próximos. Trabalhar só com a peruca definitivamente não seria suficiente. Seria necessário realizar um trabalho mais amplo, que atendesse às necessidades das integrantes no pós-acidente.

Em 2018, sete anos depois, a Orvam continua realizando seu trabalho em prol das vítimas de escalpelamento, agora sob o comando de uma nova gestão. A secretária e integrante da diretoria, Alessandra Moraes, explicou um pouco sobre o trabalho realizado pela ONG que sobrevive de doações financeiras. As integrantes, como são chamadas, recebem todo o suporte em um dos momentos mais difíceis da vida, que é quando voltam para a vida real. De acordo com Alessandra, elas conhecem a Orvam pelo “boca a boca”, quando ainda estão em tratamento no Espaço Acolher. A ONG entra em cena para cuidar do pós-acidente, onde o trabalho é focado na parte social das vítimas.

A Organização está entre as 18 entidades que fazem parte na Comissão Estadual de Enfrentamento aos Acidentes com Escalpelamento. A atual presidente, Darci Lima, comparece a todas as reuniões do grupo. A Orvam participa anualmente da campanha realizada no Dia Nacional de Combate aos Acidentes com Escalpo. Um evento é realizado no dia 28 de agosto, na Praça da República, um dos locais mais importantes do centro de Belém. Neste dia é realizado um trabalho conjunto de prevenção e conscientização do escalpelamento. A Orvam faz o acolhimento de doadores de cabelo e monta uma equipe para realizar os cortes destinados à confecção de perucas.

Mercado de Trabalho

Foi identificado um comportamento padrão, onde muitas das integrantes param de estudar ou trabalhar. Tornou-se necessário as oferecer suporte nesse tema. Portanto, um dos focos da ONG é trabalhar na inserção das integrantes no mercado de trabalho. Para prepará-las, a Orvam promove cursos de capacitação, palestras e atividades promovidas por parceiros. Cursos de informática, cabelereiro e estética são realizados durante eventos. No último mês, o destaque foi para um curso que englobava corte, chapinha e escova. Os cursos relacionados ao mercado da beleza são mais comuns e Alessandra revela o motivo:

- É sempre bom trabalhar a autoestima delas através da estética. Estamos sempre em busca de coisas que agreguem à problemática que elas têm. Seja na autoestima ou no combate ao preconceito. – explica a secretária.

 

Mesmo com a oferta de cursos, a presença das integrantes não tem sido assídua. A evasão pode ser consequência de múltiplos fatores, como a falta de recursos das integrantes para chegar à Belém. Esta frequência serviu de alerta para a nova gestão criar um estudo aprofundado. Uma equipe, que conta com quatro voluntárias de serviço social, está realizando uma busca ativa para tentar entender o porquê de grande parte das integrantes não voltarem à Orvam após buscarem a peruca. A intenção é descobrir os motivos por trás do baixo comparecimento nos cursos e eventos. De acordo com Alessandra, algumas meninas fizeram o cadastro e sequer voltaram para buscar a peruca. A secretária salienta que apenas 15 perucas foram entregues no ano de 2018, sendo que o banco de dados conta com 174 inscritas.

Acredita-se que o principal impedimento está relacionado com as dificuldades financeiras das integrantes. A maioria delas vive nas regiões ribeirinhas mais afastadas de Belém. Portanto, ir até a capital participar de um curso ou de uma oficina não é uma tarefa fácil e muito menos barata. Sem contar no cansaço causado pelo tempo de deslocamento, na maioria das vezes realizado em embarcações sem nenhum conforto. Alessandra afirma que a Orvam não tem como custear a viagem das integrantes, mas caso tivesse, proporcionaria a ida delas para todos os cursos. Todos os eventos são divulgados em um grupo que conta com grande parte das integrantes da Orvam.

A ONG oferece todo o suporte necessário para as integrantes na questão de trabalho, ensino e em problemas de cunho pessoal. Tudo para que elas possam ter melhorias de vida a curto e longo prazo. Alessandra afirma que cada uma tem um problema diferente, mas que todas são atendidas. Em muitas das vezes, o problema não pode esperar. Há casos de integrantes que chegam à sede da Orvam e relatam estarem passando fome, sem ter o que comer em casa. Isso mostra mais uma triste faceta do escalpelamento. As consequências vão além do físico e do emocional promovem uma reestruturação da ordem familiar e econômica das vítimas.

Confecção de Perucas

Na administração anterior, a peruca era fornecida anualmente. A prática mudou há pouco tempo. Atualmente, as perucas são oferecidas de acordo com a necessidade das integrantes. A presidência identificou que era importante dar uma certa segurança para essas mulheres. Alessandra garante que as integrantes agora podem solicitar uma peruca quando quiserem. Mesmo quando os fios são bem tratados, correm o risco de ficarem opacos e caírem. É natural que este problema aconteça em cabelos naturais e as chances de ocorrerem em cabelos sem vida, como os utilizados nas perucas, são ainda maiores. 

 

- Tem umas que trabalham e saem todo dia. Já pensou em usar todo dia a mesma peruca, todo dia, sem tempo de lavar? A gente pensou nisso! Vamos dar uma peruca nova para elas? Por que não? Por isso que o nosso foco é a doação de cabelos. - afirma Alessandra.

Alessandra segura uma das últimas perucas produzidas pela equipe da Orvam.

A confecção das perucas é feita por duas profissionais: Balbina e Regina são as responsáveis por devolver parte da autoestima para as integrantes da ONG. Regina também sofreu o acidente de escalpelamento e trabalha com muito zelo no desenvolvimento das perucas. Cada integrante pode escolher a cor e o tipo de cabelo que serão usados na sua peruca. São necessários cinco dias para que ela seja produzida. Caso necessário, são feitos os ajustes necessários até que o caimento esteja perfeito. Se não estiver confortável, pode arranhar e causar ferimentos na cabeça da integrante. Em alguns casos é colocada uma camada extra de tecido para aumentar a proteção.

 

Entenda como é o processo de confecção de uma peruca na Orvam:

As perucas da Orvam fazem tanto sucesso que já ultrapassaram as barreiras do Pará. Alessandra relata o caso de uma vítima de escalpelamento no Amapá, que foi até a Orvam somente para conseguir uma peruca. No seu estado, a peruca é cobrada pela ONG que presta atendimento a quem sofreu acidente com motor. Em casos excepcionais como esse, a Orvam cobra apenas pela mão de obra da peruqueira, já que os cabelos são doados. A peruca não tem custo para quem é integrante da ONG.

Doações

Acompanhada de um amigo, a estudante de pedagogia, Elen Ramos, foi até a Orvam para fazer a doação de cabelos. A jovem de 21 anos sempre teve vontade de realizar o ato solidário, mas ainda não havia alcançado os 30 cm de cabelo que são exigidos para a doação. Com o visual transformado, mostrou-se feliz por poder ajudar no trabalho da Orvam em devolver a autoestima de suas integrantes.

Além dos cabelos, a Orvam recebe outros tipos de doação como cestas básicas, roupas, material de higiene pessoal e produtos de beleza. Por tratar-se de uma organização que busca recuperar a autoestima das vítimas de escalpelamento, produtos como maquiagem são sempre muito bem-vindos para auxiliar neste trabalho. Recebem também doações financeiras para ajudar a financiar as atividades em prol das integrantes. Através das doações, a ONG também paga as despesas fixas e produz camisas para serem vendidas em feiras. A ajuda ainda pode financiar eventos sazonais, como o lanche do dia das mães, que contou com bolo, torta e refrigerante para sete integrantes da ONG e seus familiares.

As doações podem ser enviadas pelos correios, de qualquer lugar do Brasil. O endereço é Av. João Paulo II, lote 134, bairro Castanheira. Para mais informações, basta ligar para (90) 3238-1391 ou enviar um email para orvambelem@hotmail.com.

A estudante Elen doou seus fios para a Orvam.

Alessandra Almeida explica quais são os requisitos necessários para realizar uma doação de cabelo. Assista abaixo:

Nova Gestão, Herança de Problemas

Darci Lima ingressou na Orvam como assistente social voluntária, no início de 2017. Abraçou a causa do escalpelamento e pouco a pouco foi entendendo quais eram as principais necessidades da ONG e das integrantes. Um ano e meio depois, tornou-se presidente eleita da Orvam após o Ministério Público convocar um pleito extraordinário. A presidente anterior estava em situação irregular por ocupar o cargo durante sete anos. De acordo como MP, cabe à Assembleia Geral da ONG eleger os seus administradores a cada quatro anos. Caso não haja eleição no período estipulado, o gestor é destituído do cargo.

Junto com os desafios da nova gestão, Darci encontrou uma ONG repleta de dívidas, com direito a cheques sem fundo passados pela gestora anterior. Até a publicação da reportagem, a ex-presidente não havia entregue o estatuto original da Orvam, assim como a prestação de contas referentes ao ano de 2017. Mesmo passados 10 meses após o seu desligamento do cargo. Darci ressalta que o único ato realizado durante a transição foi a entrega das chaves do espaço. Além de problemas financeiros e administrativos, foi necessário solucionar questões de relacionamento com antigas integrantes. Muitas haviam se desligado devido a desentendimentos com a ex-presidente.

A Orvam atravessa por uma grave crise financeira. As dívidas somadas a escassez nas doações, faz com que as despesas fixas, como luz, água e telefone, muitas das vezes sejam pagas pelo bolso dos próprios funcionários.  Materiais de higiene e limpeza também fazem parte dos artigos comprados pela equipe em um esforço coletivo de manter o espaço funcionando normalmente. Darci afirma que atualmente o caixa da ONG não consegue custear a manutenção do espaço e o pagamento de funcionários como, secretária, peruqueira e auxiliar.

A falta de recursos implica também na oferta de cuidados psicológicos, uma das premissas da Orvam. Darci salienta a importância de contar com o trabalho de um psicólogo para auxiliar as integrantes no pós-acidente. Há registros de integrantes que desenvolveram sérios problemas depressão, devido ao forte impacto emocional causado pelo escalpelamento. A assistente social afirma que há o trabalho de voluntários da área da saúde mental, mas de maneira muito pontual. Portanto, é necessária a contratação de um psicólogo que possa atender integralmente às demandas das integrantes na sede da Orvam, mas ainda não é capaz de incluir um profissional na folha de pagamento.

Nova Gestão: A presidente Darci Lima (à esquerda) e a secretária Alessandra Moraes.

Pouca coisa mudou na casa da sede desde sua inauguração, há sete anos atrás. Problemas na estrutura fazem com que o espaço fique completamente alagado no período de chuvas. A água danificou parte das paredes e também o mobiliário da ONG. Darci pretende consertar o telhado e fazer melhorias no espaço da Orvam com o dinheiro de um fundo do governo do Amapá destinado às ONGs da região. Caso sobrem recursos, quer comprar novos equipamentos, como um computador para a sede. Todo o trabalho digital é realizado na casa das funcionárias, fora do expediente de trabalho.

Mesmo com todas as dificuldades impostas, Alessandra, Darci e toda equipe trabalham com muito afinco para poder auxiliar as integrantes. Há uma espécie de esforço coletivo para que as necessidades das meninas sejam atendidas. Alessandra tenta explicar um pouco da sua relação com o escalpelamento:

- É impossível não abraçar a causa, quando a gente vê o que o escalpelamento é capaz de fazer. Não é só arrancar aquele couro cabeludo, ele destrói muitas vezes a pessoa no seu total. Quando a gente começa a ouvir os relatos, é de doer. É muito difícil. Me sensibilizei muito com a causa. – sintetiza a secretária.

Alessandra descreve no vídeo abaixo quem são as integrantes da ORVAM e qual o relacionamento delas com a ONG:

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